O MATRIMÔNIO DE CANÁ
O MATRIMÔNIO DE CANÁ
(1528.4) 137:4.1 Na quarta-feira, por volta do meio-dia,
quase mil convidados haviam chegado em Caná, mais de quatro vezes o número dos
convidados listados para a festa de casamento. Era um costume judaico celebrar
os matrimônios às quartas- feiras, e os convites foram enviados com um mês de
antecedência. No final da manhã e nas primeiras horas da tardinha parecia mais
uma recepção pública para Jesus do que um casamento. Todos queriam cumprimentar
esse galileu tão próximo da fama, e ele estava sendo bastante cordial para com
todos, jovens e velhos, judeus e gentios. E todos ficaram contentes quando
Jesus consentiu em liderar a procissão que antecede ao casamento.
(1528.5) 137:4.2 Jesus estava agora cuidadosamente
consciente a respeito da sua existência humana, da sua preexistência divina, e
do status das suas naturezas, a humana e a divina, combinadas, ou fusionadas.
Com um equilíbrio perfeito, ele podia, em um momento, fazer o seu papel humano
e assumir imediatamente as prerrogativas da personalidade de natureza divina.
(1528.6) 137:4.3 À medida que o dia passava, Jesus
tornava-se crescentemente consciente de que o povo estava esperando que ele
fizesse alguma coisa prodigiosa; e mais especialmente ele reconhecia que a sua
família e os seus seis discípulos-apóstolos aguardavam que ele anunciasse
apropriadamente o seu Reino vindouro por meio de alguma manifestação
surpreendente e sobrenatural.
(1529.1) 137:4.4 No princípio da tarde Maria chamou Tiago e,
juntos, eles atreveram-se a abordar Jesus para perguntar-lhe se ele admitiria
confiar neles a ponto de informar- lhes a que horas, e em que momento das
cerimônias do casamento, ele havia planejado manifestar-se, como aquele que é
“sobrenatural”. Tão logo acabaram de falar dessas questões a Jesus, perceberam
que tinham despertado a sua indignação característica. Ele disse apenas: “Se me
amais, então estejais dispostos a permanecer comigo, enquanto espero pela
vontade do meu Pai que está nos céus”. A eloqüência da sua reprovação, contudo,
estava na expressão do seu rosto.
(1529.2) 137:4.5 Essa atitude da sua mãe era um grande
desapontamento para o Jesus humano; e a sua reação para com ela deixou-o ainda
mais grave, pela proposta sugestiva de que ele permitisse a si próprio alguma
demonstração externa da sua divindade. Essa era precisamente uma das coisas que
ele havia decidido não fazer, quando recentemente isolado nas colinas. Por
muitas horas, Maria esteve bastante deprimida. Ela disse a Tiago: “Eu não
consigo compreendê-lo; o que tudo isso pode significar? Não terá fim essa
conduta estranha da sua parte?” Tiago e Judá tentaram confortar a mãe, enquanto
Jesus retirou-se para uma solidão de uma hora. Todavia, ele retornou à reunião
e, uma vez mais, estava leve e cheio de alegria.
(1529.3) 137:4.6 O casamento prosseguiu em um silêncio de
expectativa; e toda a cerimônia terminou, e não houve nenhum gesto, nenhuma
palavra do convidado de honra. Então foi sussurrado que o carpinteiro e
construtor de barcos, anunciado por João como “o Libertador”, iria mostrar a
sua força durante as festividades da noite, talvez na ceia das bodas.
Entretanto, toda a expectativa de uma tal demonstração ficou efetivamente
anulada nas mentes dos seus seis discípulos- apóstolos, quando Jesus os reuniu
um pouco antes da ceia do casamento, para dizer com grande sinceridade: “Não
creiais que vim a este lugar para realizar algo de prodigioso, para a
gratificação dos curiosos ou para a convicção dos que duvidam. Estamos aqui
mais para esperar, aguardando pela vontade do nosso Pai que está nos céus”. No
entanto, quando Maria e os outros o viram em consulta com os seus companheiros,
ficaram totalmente persuadidos, nas suas próprias mentes, de que algo de
extraordinário estava para acontecer. E todos eles assentaram-se para desfrutar
da ceia de casamento e da noite de bom e festivo companheirismo.
(1529.4) 137:4.7 O pai do noivo havia providenciado bastante
vinho para todos os convidados listados para a festa do casamento, mas como
poderia imaginar que o casamento do seu filho iria transformar-se em um evento
tão intimamente ligado à esperada manifestação de Jesus como o Libertador
messiânico? Ele estava encantado de ter a honra de poder contar com o célebre
galileu entre os seus convidados, mas, antes que a ceia do casamento tivesse
terminado, os serviçais trouxeram a ele a notícia desconcertante de que estava
faltando vinho. No momento em que a ceia formal havia acabado e os convivas
estavam perambulando no jardim, a mãe do noivo confidenciou a Maria que o
suprimento de vinho tinha acabado. E Maria confiantemente disse: “Não te
preocupes — vou falar com o meu filho. Ele vai ajudar-nos”. E assim ela ousou
falar-lhe, apesar da reprovação de poucas horas antes.
(1529.5) 137:4.8 Durante um período de muitos anos, Maria
sempre se voltara a Jesus para pedir-lhe ajuda em cada crise da vida de seu
lar, em Nazaré, e por isso era tão natural para ela pensar nele nesse momento.
Essa mãe ambiciosa, entretanto, tinha ainda outros motivos para apelar ao seu
filho mais velho nessa ocasião. Jesus estava sozinho, em um canto do jardim, e
sua mãe aproximou-se dele dizendo: “Meu filho, eles não têm mais vinho”. E
Jesus respondeu: “Minha boa mulher, o que tenho eu a ver com isso?” E Maria
disse: “Mas eu acredito que a tua hora é chegada; não podes ajudar-nos?” Jesus
replicou: “De novo eu declaro que não vim para fazer nada nesse sentido. Por
que me perturbas de novo com essas questões?” E então, desmanchando-se em
lágrimas, Maria suplicou: “Mas, meu filho, eu prometi a eles que tu irias
ajudar-nos; por favor, farás alguma coisa por mim?” E então Jesus falou:
“Mulher, por que tinhas de fazer tais promessas? Que não as faças de novo. Em
todas as coisas devemos aguardar a vontade do Pai nos céus”.
(1530.1) 137:4.9 Maria, a mãe de Jesus, ficou abatida,
atordoada mesmo! Enquanto ela permanecia ali, imóvel diante dele, com as
lágrimas caindo em seu rosto, o coração humano de Jesus ficou dominado de
compaixão pela mulher que o tinha concebido na carne; e, inclinando-se para a
frente, ele colocou a sua mão ternamente na cabeça dela, dizendo: “Espera,
espera, Mãe Maria, não sofras pelas minhas palavras aparentemente duras, pois
eu já não te disse muitas vezes que eu vim apenas para cumprir a vontade do Pai
celeste? Eu faria de bom grado o que me pediste, se fosse uma parte da vontade
do Pai” — e Jesus logo parou, hesitando. Maria pareceu sentir que alguma coisa
estava acontecendo. Num pulo, ela jogou os braços em volta do pescoço de Jesus,
beijou-o e correu para a sala dos serviçais, dizendo: “Fazei o que quer que o
meu filho tenha pedido”. Contudo, Jesus não havia dito nada. Mas agora ele
compreendia que havia já dito demais — ou melhor, que havia imaginado — ,
desejando por demais.
(1530.2) 137:4.10 Maria dançava de júbilo. Ela não sabia
como o vinho seria produzido, mas confiante acreditava que finalmente
conseguira persuadir o seu primeiro filho a afirmar a sua autoridade, a ousar
dar um passo adiante e reivindicar a sua posição, e a exibir o seu poder
messiânico. E, por causa da presença e da coligação de certos poderes e
personalidades do universo, das quais todos os presentes ignoravam totalmente,
ela não ficaria decepcionada. O vinho, que Maria desejara e que Jesus, o
Deus-homem, fez por aspirar, humana e compassivamente, estava sendo produzido.
(1530.3) 137:4.11 À mão estavam seis grandes potes de pedra,
cheios de água, em cada um cabendo quase oitenta litros. Essa água estava ali
para ser usada nas cerimônias da purificação final da celebração do casamento.
A agitação dos serviçais por causa desses vasos imensos de pedra, sob o comando
ativo da sua mãe, atraiu a atenção de Jesus que, indo até lá, observou que eles
estavam tirando vinho delas, com jarras repletas.
(1530.4) 137:4.12 Gradativamente Jesus tomava consciência do
que acontecera. De todos aqueles, que estavam presentes à festa de casamento de
Caná, Jesus era o mais surpreso. Os outros vinham aguardando que ele fizesse
algo prodigioso, mas isso era exatamente o que ele tinha como propósito não
fazer. E, então, o Filho do Homem lembrou-se da advertência que o seu Ajustador
Personalizado do Pensamento lhe tinha feito nas colinas. Ele lembrou-se de como
o Ajustador o havia prevenido sobre a incapacidade, que qualquer poder ou personalidade
tinha, de privá-lo das suas prerrogativas de criador, na independência do
tempo. Nessa ocasião, os transformadores do poder, os seres intermediários e
todas as outras personalidades imprescindíveis estavam reunidos perto da água e
de outros elementos necessários e, em presença do desejo expresso do Soberano
Criador do Universo, não havia como evitar o aparecimento instantâneo do vinho.
E essa ocorrência fez-se duplamente certa, pois o Ajustador Personalizado tinha
sinalizado que a execução do desejo do Filho não era em nada uma contravenção à
vontade do Pai.
(1530.5) 137:4.13 Mas isso, em nenhum sentido, era um
milagre. Nenhuma lei da natureza foi modificada, ab-rogada ou mesmo
transcendida. Nada aconteceu a não ser uma ab-rogação do tempo, em ligação com
a reunião celeste dos elementos químicos necessários à elaboração do vinho. Em
Caná, nessa ocasião, os agentes do Criador fizeram o vinho, exatamente pelo
modo como é feito comumente, pelo processo natural, exceto que eles o fizeram
independentemente do tempo, e com a intervenção de agências supra-humanas para
reunir, do espaço, os elementos químicos necessários.
(1531.1) 137:4.14 Ademais se tornara evidente que a
realização desse chamado milagre não era contrária à vontade do Pai do Paraíso,
ou então não teria acontecido, posto que Jesus se submetia a si próprio, para
todas as coisas, à vontade do Pai.
(1531.2) 137:4.15 Quando os serviçais tiraram esse novo
vinho e o levaram ao padrinho, o “mestre-de-cerimônias”, ele o provou e chamou
o noivo dizendo: “O costume é servir primeiro o melhor vinho, e, depois, quando
os convidados já tiverem bebido o bastante, oferecer o vinho do fruto inferior;
mas tu seguraste o melhor dos vinhos para o fim da festa”.
(1531.3) 137:4.16 Maria e os discípulos de Jesus estavam
grandemente jubilosos com o suposto milagre, pois pensavam que Jesus o tinha
executado intencionalmente, mas Jesus retirara-se para um canto abrigado do
jardim e para pensar com seriedade por uns poucos breves momentos. E finalmente
ele havia decidido que o episódio acontecera fora do seu controle pessoal,
dadas as circunstâncias e, que, não sendo adverso à vontade do seu Pai,
tornara-se inevitável. Quando retornou ao povo, foi olhado com temor; eles
todos acreditaram nele como sendo o Messias. Contudo, Jesus estava
dolorosamente perplexo, sabendo que eles acreditaram nele apenas por causa da
ocorrência inusitada que acabavam inadvertidamente de presenciar. De novo,
Jesus retirou-se para uns momentos no terraço, de modo que pudesse pensar em
tudo.
(1531.4) 137:4.17 E agora, afinal, Jesus compenetrava-se
totalmente de que devia ficar constantemente em guarda, para que a indulgência
da compaixão e da piedade não se tornasse responsável por repetidos episódios
desse tipo. Contudo, muitos eventos com essa mesma característica ocorreram,
antes que o Filho do Homem deixasse finalmente a sua vida mortal na carne.
Fonte: Livro de Urantia
Por: Luiz Clédio Monteiro / fev 2018
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